Na noite de 10 de maio de 1933, mais de 50.000 pessoas acorreram à Opernplatz, em Berlim, correspondendo aos apelos das SA nazis ("Sturmabteilung" ou Divisão de Assalto) e da Liga dos Estudantes Alemães Nacional-Socialistas (NSDStB)
Aí se desenrolou, como em muitas outras cidades alemãs, a queima de milhares de documentos e livros etiquetados de “anti-alemães”
O dirigente estudantil nazi Herbert Gutjahr, que então tinha 23 anos e que mais tarde aderiria às SS, foi um dos que deu o mote: "Voltámos as nossas ações contra o espírito não alemão. Entrego tudo o que não é alemão ao fogo", "Contra a decadência e a decadência moral!”

Só em Berlim, mais de 20.000 livros terão sido ali queimados. Autores como Karl Marx, Heinrich Mann, Erich Maria Remarque, Joachim Ringelnatz, Ernst Glaeser, Erich Kästner, Lion Feuchtwanger ou Heinrich Heine tiveram os seus livros destruídos e foram, na sua maioria, os que ainda estavam vivos, obrigados ao exílio.
O orador principal chegou à meia-noite. Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazi discursou à multidão em Berlim e para os ouvintes de ondas curtas em casa. "Homens e mulheres alemães! A era do intelectualismo judaico excessivo chegou ao fim, e o avanço da revolução alemã abriu caminho para o caminho alemão."

Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazi, discursa na praça Opernplatz em Berlim:
Homens e mulheres alemães! A era do intelectualismo judaico excessivo chegou ao fim,
e o avanço da revolução alemã abriu caminho para o caminho alemão.
O Diário de Lisboa desse dia 10 de maio, sob o título "Os excessos nacionalistas", dá conta que, em Breslau, "os estudantes queimaram muitos livros de autores marxistas e israelitas". No dia seguinte, na última página do mesmo jornal, anuncia-se a publicação, em Berlim, "por iniciativa da Associação dos Estudantes", de "um guia para uso das bibliotecas, em que se menciona a exclusão de escritores marxistas e judeus."
Esta ofensiva do partido nazi, que acabara de aceder ao poder na Alemanha, tinha antecedentes, seguindo exemplos da Inquisição da Igreja Católica, em cerimónias que pretendiam assegurar a ortodoxia e assim manter o poder da Igreja, ao mesmo tempo que também confissões protestantes recorreram aos mesmos expedientes.
A censura de livros, a proibição de abordagem de matérias consideradas heréticas ou perigosas, as ameaças (e as práticas) de prisão e de tortura estão exaustivamente evidenciadas nas páginas que Bento de Jesus Caraça dedicou a Galileo Galilei e de que a ABJC acaba de publicar a respetiva versão digital.
E não se esqueça que, com data de 18 de agosto de 1451, um Alvará do rei Afonso V, anterior à instalação do Santo Ofício em Portugal, mandara queimar todos os livros "falsos ou heréticos".
E que Francisco Xavier de Oliveira, conhecido como Cavaleiro de Oliveira, e que, residindo então em Londres, onde podia escapar à fúria da Inquisição, veio a ser relaxado à justiça secular, que o fez queimar "em estátua", em 1761, com o seu livro "Discours Pathétique au sujet des calamités" (ver capa) pendurado ao pescoço... que o próprio Cavaleiro de Oliveira, tendo já então abjurado da fé católica, viria a qualificar: "Todas as Religiões que empregam o ferro e o fogo para obrigar os homens a abraçar os Dogmas, são seguramente falsas".

